Plataforma Organizacional dos Comunistas Libertarios

Seção Geral


1. Luta de classes, seu papel e significado

Não existe uma só humanidade
Existe a humanidade dividida em classes:
Escravos e senhores.

Como todas as que a precederam, a sociedade capitalista e burguesa de nossos tempos não é unida. Ela está dividida em dois campos distintos, diferenciados socialmente por suas respectivas situações e funções: o proletariado (no sentido mais extenso da palavra) e a burguesia.

O destino do proletariado é, e tem sido há séculos, carregar o fardo do trabalho físico e penoso, cujos frutos são colhidos por uma outra classe, que possui a propriedade, a autoridade e os produtos da cultura (ciência, educação, arte etc.): a burguesia. A escravização social e a exploração das massas trabalhadoras formam a base sobre a qual a sociedade moderna se apóia e sem a qual não poderia existir.

Este fato gera uma luta de classes secular, que assume um caráter aberto e violento ou uma aparência de progresso lento e imperceptível, mas orientada sempre, essencialmente, para a transformação da sociedade atual numa sociedade que satisfará as aspirações, necessidades e ao conceito de justiça dos trabalhadores.

Toda a história da humanidade representa, no domínio social, uma cadeia ininterrupta de lutas que as massas trabalhadoras travam por seus direitos, sua liberdade e por uma vida melhor. Esta luta de classes tem sido sempre o principal fator que determina a forma e a estrutura das sociedades.

O regime social e político de todos os países é, antes de tudo, produto da luta de classes. A estrutura de uma sociedade nos mostra a fase em que se encontra a luta de classes. A mínima alteração no curso da luta de classes, na relação de forças entre as classes em luta contínua, engendra mudanças no tecido e na estrutura da sociedade.

Tal é a dimensão geral, universal e o sentido da luta de classes na vida das sociedades de classe.

 

2. A necessidade de uma violenta revolução social

O princípio de opressão e exploração das massas pela violência constitui a base da sociedade moderna. Todas as manifestações de sua existência: a economia, a política, as relações sociais... baseiam-se na violência de classe, cujos instrumentos são: a autoridade, a polícia, o exército, os tribunais. Tudo nesta sociedade, desde a empresa tomada isoladamente até o conjunto dos aparatos estatais são baluartes na defesa e manutenção do capitalismo. Além de serem pontos de observação permanente dos trabalhadores, servem para ter sempre ao alcance da mão as forças destinadas a reprimir os trabalhadores que ameaçam os fundamentos ou mesmo a tranqüilidade da sociedade atual.

Ao mesmo tempo, o sistema capitalista mantém deliberadamente as massas trabalhadoras num estado de ignorância e estagnação mental, impedindo pela força a elevação de seu nível intelectual e moral, para mais facilmente ludibriá-las.

O progresso da sociedade moderna, a evolução técnica do capital e o aperfeiçoamento de seu regime político fortalecem o poder da classe dominante e dificultam ainda mais a luta contra ela, adiando o momento decisivo da emancipação dos trabalhadores.

A análise da sociedade moderna nos leva à conclusão de que a revolução social violenta é a única via para transformar a sociedade capitalista numa sociedade de trabalhadores livres.

 

3. O anarquismo e o comunismo libertário

A luta de classes criada pela escravidão dos trabalhadores e suas aspirações de liberdade fez nascer, nos meio dos oprimidos, a idéia do anarquismo: a idéia da negação do sistema social baseado nos princípios de classes e do Estado, e sua substituição por uma sociedade livre e sem estado, autogerida pelos trabalhadores. Portanto, o anarquismo não deriva das reflexões abstratas de um intelectual ou filósofo, mas da luta direta dos trabalhadores contra o capital, das aspirações e necessidades dos trabalhadores, de seus desejos de liberdade e igualdade, os quais se tornam particularmente vivos no melhor período heróico da vida e da luta das massas trabalhadoras.

Eminentes anarquistas, Bakunin, Kropotkin e outros, não inventaram a idéia de anarquismo, mas a descobriram nas massas, apoiados somente na força de seus pensamentos e conhecimentos, para especificá-la e divulgá-la.

O anarquismo não é o resultado de obras pessoais nem objeto de pesquisas individuais.

Similarmente, o anarquismo não é produto de aspirações humanitárias. A humanidade "unida" não existe. Qualquer tentativa de fazer do anarquismo um atributo da humanidade atual, de atribuir-lhe um caráter genericamente humanitário seria uma mentira histórica e social que conduziria inevitavelmente à justificação da ordem atual e de uma nova exploração.

O anarquismo é geralmente humanitário apenas no sentido de que os ideais das massas trabalhadoras tendem a aperfeiçoar as vidas de todos os homens, e do fato de que o destino da humanidade de hoje ou de amanhã é inseparável do destino do trabalho explorado. Se as massas trabalhadoras vencerem, toda a humanidade renascerá. Se não, violência, exploração, escravização e opressão reinarão como nunca antes no mundo...

O nascimento, o desenvolvimento e a realização das idéias anarquistas tem suas origens na vida e na luta das massas trabalhadoras, e estão inseparavelmente ligadas à sua sorte.

O anarquismo quer transformar a sociedade capitalista numa sociedade nova em que os trabalhadores tenham garantido o produto de sua atividade, a liberdade, a independência e a igualdade social e política. Esta nova sociedade será o comunismo libertário. É no comunismo libertário que terão plena expansão a solidariedade social e a individualidade livre, e na qual essas duas idéias se desenvolverão em perfeita harmonia.

O comunismo libertário avalia que o único criador do valor social é o trabalho, físico e intelectual. Consequentemente, só os trabalhadores têm o direito de administrar a vida social e econômica. É por isso que ele não justifica nem admite a existência de classes não trabalhadoras.

Enquanto tiver que coexistir com tais classes, o comunismo libertário não reconhecerá qualquer obrigação em relação a elas. Isto cessará quando as classes não trabalhadoras se decidirem a produzir e quiserem viver na sociedade comunista, sob as mesmas condições de todos os outros, os membros livres da sociedade, gozando dos mesmos direitos e obrigações de todos os membros produtivos.

O comunismo libertário quer suprimir toda exploração e violência, seja contra o indivíduo ou as massas trabalhadoras. Para tanto, estabelece uma base econômica e social que unifica, num conjunto harmonioso, toda a vida econômica e social do país, assegurando a todo indivíduo uma situação igual a dos outros e dando a cada um o máximo bem-estar. Esta base é a apropriação, sob a forma de socialização, de todos os meios e instrumentos de produção (indústria, transporte, terra, matérias-primas etc.) e a construção de organismos econômicos sob os princípios de igualdade e autogestão dos trabalhadores.

Nos limites desta sociedade autogerida pelos trabalhadores, o comunismo libertário estabelece o princípio da igualdade de valor e dos direitos de cada indivíduo (não a individualidade "em geral", nem a individualidade "mística" ou o conceito de individualidade, mas o indivíduo concreto).

 

4. A negação da democracia

Democracia é uma das formas da sociedade capitalista.

A democracia se baseia na manutenção das duas classes antagônicas da sociedade moderna: a do trabalho e a do capital, e sua colaboração fundada sobre a propriedade privada capitalista. A expressão dessa colaboração é o parlamento e o governo nacional representativo.

Formalmente, a democracia proclama a liberdade de opinião, de imprensa, de associação, enquanto não ameacem os interesses da classe dominante, ou seja, a burguesia.

A democracia mantém intacto o princípio da propriedade privada capitalista. Portanto, dá a burguesia o direito de controlar toda a economia do país, toda a imprensa, educação, ciência, arte, o que de fato, torna a burguesia dona absoluta do país. Possuindo o monopólio da vida econômica, a burguesia pode estabelecer seu poder ilimitado também na esfera política. Efetivamente, o governo representativo e o parlamento nada mais são, nas democracias, do que os órgãos executivos da burguesia.

Consequentemente, a democracia é apenas um dos aspectos da ditadura burguesa, camuflada pelas fórmulas ilusórias das liberdades políticas e garantias democráticas fictícias.

 

5. A negação da autoridade

Os ideólogos da burguesia definem o Estado como o órgão que regula as complexas relações políticas e sociais entre os homens na sociedade moderna, protegendo a lei e a ordem. Os anarquistas estão em perfeita acordo com esta definição, mas a completam, afirmando que as bases dessa lei e dessa ordem é a escravidão da maioria da população por uma minoria insignificante, e que para tal serve o Estado.

O Estado é, simultaneamente, a violência organizada da burguesia contra os trabalhadores e o sistema de seus órgãos executivos.

Os socialistas de esquerda e, em particular, os bolcheviques, também consideram a autoridade e o Estado burguês como lacaios do capital. Mas sustentam que a autoridade e o Estado podem se tornar, nas mãos dos partidos socialistas, um meio poderoso na luta pela emancipação do proletariado. Por este motivo, esses partidos são a favor de uma autoridade socialista e um Estado proletário. Alguns querem conquistar o poder pacificamente, através do parlamento (os social-democratas); outros, por meios revolucionários (os bolcheviques, os socialistas-revolucionários de esquerda).

O anarquismo considera-os, ambos, fundamentalmente equivocados, nocivos para a tarefa de emancipação do trabalho.

A autoridade está sempre ligada à exploração e à submissão das massas populares. Ela nasce da exploração ou surge no interesse da exploração. A autoridade sem violência e sem exploração perde toda a razão de ser.

O Estado e a autoridade retiram das massas toda iniciativa, matam o espírito criador e a atividade livre, cultivam a psicologia da submissão: a expectativa, a esperança de ascender na hierarquia social, a estúpida confiança nos dirigentes, a ilusão de ser parte da autoridade...

Ora, a emancipação dos trabalhadores só é possível mediante o processo de luta revolucionária direta das massas trabalhadoras e suas organizações de classe contra o sistema capitalista.

A conquista do poder pelos partidos sociais-democratas, por meios pacíficos e sob as condições da ordem atual, não fará avançar um só passo a tarefa de emancipação do trabalho, pelo simples motivo de que o poder real, consequentemente a autoridade real, permanecerá com a burguesia que controla a economia e a política do país. O papel da autoridade socialista se reduzirá a fazer reformas, a melhorar o regime. (Exemplos: Ramsay MacDonald, os partidos sociais-democratas da Alemanha, Suécia, Bélgica, que assumiram o poder na sociedade capitalista.)

Tomar o poder mediante a violência e organizar o autodenominado "Estado proletário" de nada adianta para uma autêntica emancipação do trabalho. O Estado, construído supostamente para a defesa da revolução, termina fatalmente distorcido por suas necessidades e características peculiares, torna-se o objetivo em si mesmo, produz castas específicas e privilegiadas, sobre as quais se apóia. Deste modo, submete as massas pela força e consequentemente restabelece as bases da autoridade capitalista e do Estado capitalista: a opressão e a e exploração das massas pela violência. (Exemplo: "o Estado operário e camponês" dos bolcheviques.)

 

6. O papel das massas e dos anarquistas na luta e na revolução social

As principais forças da revolução social são a classe operária urbana, as massas camponesas e um setor dos trabalhadores intelectuais.

Nota: enquanto classe explorada e oprimida, da mesma forma que os proletários urbanos e rurais, os trabalhadores intelectuais são relativamente mais desunidos do que os operários e camponeses, graças aos privilégios econômicos concedidos pela burguesia a alguns de seus elementos. Eis por que, no começo da revolução social, apenas a parcela mais desfavorecida dos intelectuais participou ativamente.

A concepção anarquista do papel das massas na revolução social e na construção do socialismo difere, de maneira típica, daquela dos partidos estatistas. Enquanto o bolchevismo e as tendências que lhe são afins consideram que as massas trabalhadoras possuem apenas instintos revolucionários destrutivos, sendo incapazes de uma atividade revolucionária criativa e construtiva – razão pela qual essa atividade deve se concentrar nas mãos dos homens que formam o governo do Estado e o Comitê Central do partido - os anarquistas, pelo contrário, pensam que as massas têm imensas possibilidades criativas e construtivas, e querem a supressão dos obstáculos que impedem a manifestação dessas possibilidades.

Os anarquistas consideram o Estado como seu principal obstáculo, usurpando os direitos das massas e apropriando-se de todas as funções da vida econômica e social. O Estado deve perecer, não "um dia", na sociedade futura, mas agora. Ele deve ser destruído no primeiro dia da vitória dos trabalhadores, e não deve ser reconstituído de forma alguma. Ele será substituído por um sistema federalista de organizações de produção e consumo dos trabalhadores federativamente unidos e auto-administrados. Este sistema exclui tanto a organização da autoridade como a ditadura de um partido, não importa qual seja ele.

A revolução Russa de 1917 revela precisamente essa orientação do processo de emancipação social, na criação de um sistema de conselhos operários e camponeses e comitês de fábrica. Seu lamentável erro foi não ter liquidado, no momento oportuno, a organização do poder estatal: no começo do governo provisório, antes, e o poder bolchevique, depois. Os bolcheviques, aproveitando-se da confiança dos operários e camponeses, reorganizaram o estado burguês de acordo com as circunstâncias do momento e, em seguida, com a ajuda do estado, mataram a atividade criativa das massas, sufocando os sovietes livres e os comitês de fábrica, que representaram o primeiro passo na construção de uma sociedade não estatal, socialista.

A ação dos anarquistas pode ser dividida em dois períodos: um antes e outro durante a revolução. Em ambos, os anarquistas só poderão cumprir seu papel como uma força organizada tendo uma concepção clara dos objetivos da luta e dos meios que levam à realização desses objetivos.

A tarefa fundamental da União Geral dos Anarquistas, no período pré-revolucionário, deve ser a preparação dos operários e camponeses para a revolução social.

Negando a democracia formal (burguesa), a autoridade e o Estado, proclamando a completa emancipação do trabalho, o anarquismo destaca ao máximo os princípios rigorosos da luta de classes. Isto desperta e desenvolve nas massas uma consciência de classe e a intransigência revolucionária da classe.

É precisamente através da intransigência de classe, do antidemocratismo, dos ideais do comunismo anarquista que a educação libertária das massas deve ser feita. Mas a educação somente não basta. É necessária, também, uma certa organização anarquista das massas. Para realizar isso, é preciso atuar em duas direções: de um lado, selecionar e agrupar as forças revolucionárias de operários e camponeses numa base teórica comunista libertária (organizações específicas comunistas libertárias); do outro, reagrupar operários e camponeses revolucionários numa base econômica de produção e consumo (organização produtiva dos operários e camponeses revolucionários, cooperativas de operários e camponeses livres etc.). Os operários e camponeses, organizados numa base de produção e consumo, influenciados pelas posições anarquistas revolucionárias, serão o primeiro ponto de apoio da revolução social.

Quanto mais se tornarem conscientes e organizados à maneira anarquista, desde já, mais os operários e camponeses manifestarão a vontade intransigente e a criatividade libertária no momento da revolução.

Quanto à classe operária na Rússia: é claro que oito anos de ditadura bolchevique, aprisionando as necessidades naturais das massas e sua atividade livre, demonstram, melhor do que qualquer coisa, a verdadeira natureza de todo poder. Mas a classe operária russa desenvolveu enormes possibilidades para a formação de um movimento anarquista de massas. Os militantes anarquistas organizados devem ir imediatamente, com todas forças de que dispõem, ao encontro dessas necessidades e possibilidades, para que não degenerem em reformismo (menchevismo).

Com a mesma urgência, os anarquistas devem aplicar todas as suas forças à organização dos camponeses pobres, esmagados pelo poder estatal, buscando uma saída e desenvolvendo seu imenso potencial revolucionário.

O papel dos anarquistas, no período revolucionário, não pode se limitar à propagação de palavras de ordem e de idéias libertárias. A vida aparece como a arena não só da propagação desta ou daquela concepção, mas, também, no mesmo grau, a arena da luta, da estratégia e das aspirações dessas concepções à direção econômica e social.

Mais do que qualquer outra concepção, o anarquismo deve se tornar a concepção dirigente da revolução social, porque apenas com a base teórica do anarquismo a revolução social poderá conduzir à completa emancipação do trabalho.

A posição dirigente das idéias anarquistas na revolução significa uma orientação anarquista dos eventos. Contudo, não se deve confundir essa força motriz teórica com a liderança política dos partidos estatistas que levam finalmente ao Poder do Estado.

O anarquismo não aspira nem à conquista do poder político, nem à ditadura. Sua principal aspiração é ajudar as massas a trilhar a autêntica via da revolução social e da construção socialista. Mas não basta que sigam a via da revolução social. Também é necessário manter esta orientação da revolução e seus objetivos: substituição da sociedade capitalista pela dos trabalhadores livres. Como a experiência da revolução Russa em 1917 nos mostrou, esta última tarefa está longe de ser fácil, sobretudo por causa dos inúmeros partidos que tentam orientar o movimento numa direção oposta à da revolução social.

Ainda que as massas se expressem profundamente nos movimentos sociais, pelas tendências e princípios anarquistas, essas tendências e princípios permanecem dispersos, se não forem coordenados, e consequentemente não conduzem à organização da potência motriz das idéias libertárias que é necessária para manter, na revolução social, a orientação e os objetivos anarquistas. Esta força motriz teórica pode ser expressa apenas por um coletivo especialmente criado pelas massas para tal fim. Os elementos anarquistas organizados constituem exatamente esse coletivo. Os deveres teóricos e práticos, no momento da revolução, são consideráveis.

Ele deve tomar iniciativas e deflagrar uma participação total em todos os domínios da revolução social: na orientação e no caráter geral da revolução; nas tarefas positivas da revolução na nova produção, na guerra civil e na defesa da revolução, no consumo, na questão agrária etc...

Sobre todas essas questões e numerosas outras, as massas exigem dos anarquistas uma resposta clara e precisa. E, a partir do momento em que os anarquistas proclamam uma concepção da revolução e da estrutura da sociedade, eles são obrigados a dar respostas claras para todas essas questões, a ligar as respostas a uma concepção geral do comunismo libertário e, por fim, dedicar-se totalmente à sua efetiva realização.

Desta forma, a União Geral dos Anarquistas e o movimento anarquista assumem completamente sua função teórica motriz na revolução social.

 

7. O período transitório

Os partidos políticos entendem, pela expressão "período transitório", uma fase determinada na vida de um povo cujas características são: ruptura com a velha ordem de coisas e instauração de um novo sistema econômico e social, um sistema que, contudo, ainda não representa a completa emancipação dos trabalhadores. Neste sentido, todos os programas mínimos dos partidos políticos socialistas - por exemplo, o programa democrático dos oportunistas socialistas ou o programa da "ditadura do proletariado", dos bolcheviques - são programas do período de transição.

O traço essencial desses programas é que todos consideram impossível, para o momento, a completa realização dos ideais dos trabalhadores: sua independência, sua liberdade e igualdade, e consequentemente preservam toda uma série de instituições do sistema capitalista: o princípio da coerção estatista, propriedade privada dos meios e instrumentos de produção, o trabalho assalariado e diversos outros, de acordo com os objetivos do programa de cada partido.

Os anarquistas sempre foram inimigos de tais programas, considerando que a construção de sistemas transitórios, que mantém os princípios de exploração e coerção das massas, leva necessariamente a um novo crescimento da escravidão.

Ao invés de estabelecer programas políticos mínimos, os anarquistas sempre defenderam a idéia de uma revolução social imediata, que despoja a classe capitalista de seus privilégios econômicos e sociais, e coloca os meios e instrumentos de produção, assim como todas as funções da vida econômica e social, nas mãos dos trabalhadores.

Até agora, os anarquistas têm mantido esta posição.

A idéia de um período transitório, segundo a qual a revolução social deve conduzir não a uma sociedade comunista, mas a um sistema X, conservando elementos do velho sistema, é anti-social em sua essência. Essa idéia ameaça produzir o reforço e o desenvolvimento desses elementos às suas dimensões prévias, e faz retroagir os eventos.

Um exemplo flagrante disso é o regime de "ditadura do proletariado", estabelecido pelos bolcheviques na Rússia.

De acordo com eles, esse regime deveria ser uma etapa transitória para o comunismo total. Na realidade, essa etapa produziu a restauração da sociedade de classes, onde estão, subjugados como antes, os operários e os camponeses pobres.

O centro da gravidade na construção de uma sociedade comunista não consiste na possibilidade de assegurar a cada indivíduo, desde o primeiro dia da revolução, a liberdade ilimitada para satisfazer suas necessidades; mas se afirma na conquista da base social dessa sociedade comunista, estabelecendo os princípios de relações igualitárias entre os indivíduos. Quanto à questão da maior ou menor abundância de bens, não é formulada em nível de princípio, mas como um problema técnico.

O princípio fundamental sobre o qual a nova sociedade será erguida, sobre o qual permanecerá e não deve ser limitado de forma alguma, é o da igualdade das relações, da liberdade e independência dos trabalhadores. Este princípio representa a exigência prioritária e fundamental das massas, exigência pela qual se sublevam e fazem a revolução social.

De duas, uma:

a) A revolução social terminará com a derrota dos trabalhadores. Neste caso, devemos começar de novo a preparar a luta, uma nova ofensiva contra o sistema capitalista.

b) Ou, então, conduzirá à vitória dos trabalhadores. Neste caso, os trabalhadores se apossarão dos meios que lhes permitem sua autogestão: a terra, a produção e as funções sociais, e começarão a construir uma sociedade livre.

Eis o que caracteriza o início da construção de uma sociedade comunista, que, uma vez iniciada, seguirá então continuamente o curso de seu desenvolvimento, fortalecendo-se e se aperfeiçoando sem cessar.

Dessa maneira, a tomada das funções produtivas e sociais pelos trabalhadores traçará uma linha demarcatória entre as épocas estatal e não-estatal.

Se quiser se tornar o porta-voz das massas em luta, a bandeira de toda uma época de revolução social, o anarquismo não deve assimilar, em seu programa, os resíduos da velha ordem, as tendências oportunistas dos sistemas e períodos de transição, nem, tampouco, ocultar seus princípios fundamentais, mas, ao contrário, desenvolvê-los e aplicá-los ao máximo.

 

8. Anarquismo e sindicalsimo

Consideramos artificial, privada de todo fundamento e de todo sentido, a tendência a opor o comunismo libertário ao sindicalismo e vice-versa.

As noções de anarquismo e sindicalismo pertencem a dois planos diferentes. Enquanto o comunismo, isto é, a sociedade de trabalhadores livres e iguais, é o objetivo da luta anarquista, o sindicalismo, isto é, o movimento operário revolucionário por profissão, é apenas uma das formas da luta revolucionária. Unindo os operários nos locais de produção, o sindicalismo revolucionário, como todo grupo profissional, não possui uma teoria determinada, uma concepção do mundo que responda a todas as complexas questões sociais e políticas da realidade atual. Ele reflete sempre a ideologia de diversos grupos políticos, notadamente aqueles que militam mais intensamente nos sindicatos.

Nossa atitude em relação ao sindicalismo deriva do que já dissemos. Sem nos preocupar aqui em resolver com antecedência a questão do papel dos sindicatos revolucionários depois da revolução, ou seja, se eles serão os organizadores de toda a nova produção ou se eles deixarão esse papel para os conselhos de trabalhadores ou, ainda, os comitês de fábrica, nós entendemos que os anarquistas devem participar no sindicalismo revolucionário como uma das formas do movimento operário revolucionário.

Porém, a questão que se coloca hoje não é se os anarquistas devem ou não participar no sindicalismo revolucionário, mas sim como e com que fim devem participar.

Nós consideramos todo o período anterior, até o dia de hoje, quando os anarquistas entraram no movimento sindicalista na qualidade de militantes e propagandistas individuais, como um período de relações artesanais com o movimento operário profissional.

O anarco-sindicalismo, tentando forçar a introdução das idéias libertárias na ala esquerda do sindicalismo revolucionário, como meio cujo fim é criar sindicatos de tipo anarquista, representa, sob este aspecto, um passo adiante. Mas não vai além do método empírico. Porque o anarco-sindicalismo não liga necessariamente a tarefa de "anarquização" do movimento sindical com a tarefa de organização das forças anarquistas fora do movimento. Ora, é apenas mediante tal ligação que é possível "anarquizar" o sindicalismo revolucionário e impedi-lo de descambar para o oportunismo e o reformismo.

Considerando o sindicalismo apenas como um movimento profissional de trabalhadores, sem uma teoria social e política determinada, e, portanto, incapaz de resolver por si mesmo a questão social, entendemos que a tarefa dos anarquistas no movimento consiste em desenvolver as idéias libertárias, orientando-o num sentido libertário, para transformá-lo numa força ativa da revolução social. É importante nunca esquecermos que, se o sindicalismo não encontrar apoio na teoria anarquista, ele se apoiará, então, concordemos ou não com isto, na ideologia de um partido político estatista qualquer.

A título de exemplo, aliás chocante, podemos citar o sindicalismo francês. Este, no qual brilhavam as táticas e palavras de ordem anarquistas, logo sucumbiu à influência dos bolcheviques, por um lado, e, sobretudo, por outro, à influência dos socialistas oportunistas de direita.

Mas a tarefa dos anarquistas nas fileiras do movimento operário revolucionário não poderá ser cumprida, a não ser que seja estreitamente ligada e conciliada com a atividade da organização anarquista fora do sindicato. Resumindo, devemos entrar nos sindicatos como uma força organizada, responsável pela atuação no sindicato perante a organização geral anarquista e orientados por ela.

Sem nos limitar à criação de sindicatos anarquistas, devemos tentar exercer nossa influência teórica sobre o sindicalismo revolucionário como um todo e em todas as suas formas (a IWW, os sindicatos russos...). Só atingiremos este objetivo, agindo como coletivo anarquista rigorosamente organizado, jamais em pequenos grupos empíricos, que não possuem ligação organizacional nem convergência teórica.

Grupos anarquistas em fábricas e empresas, preocupados em criar sindicatos anarquistas, lutando nos sindicatos revolucionários pela preponderância das idéias libertárias no movimento, grupos orientados em sua ação por uma organização geral anarquista: tais são os sentidos e as formas da atitude dos anarquistas em sua relação com o sindicalismo..


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Source: Federação Anarquista do Rio de Janeiro

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