Revolução Russa: o Poder dos Sovietes contra o estatismo

 

IV. O estatismo como ante-sala da contra-revolução

 

Os marxistas sustentam que só a ditadura, evidentemente a deles, pode criar a liberdade do povo; a isso respondemos que nenhuma ditadura pode ter outro objetivo senão o de durar o máximo de tempo possível e que ela é capaz apenas de engendrar a escravidão no povo que a sofre e educar este último nesta escravidão; a liberdade só pode ser criada pela liberdade, isto é, pela insurreição de todo o povo e pela livre organização das massas trabalhadoras de baixo para cima. (Bakunin, Estatismo e Anarquia)

O grande debate que paira quanto à Revolução Russa será o caráter da mesma, o que vai implicar no próprio papel do Estado nesse processo. Importante que se diga que a Revolução Russa rompe com uma tradição que já vinha ampliando-se no movimento socialista europeu, ou seja, a estratégia de luta pautada na via eleitoral e nas chamadas instituições democráticas. Na II Internacional, a predominância do parlmentarismo era latente e tinha fonte na atividade realizada pela social-democracia alemã, a qual, por sua vez, tem suas raízes ainda na I Internacional. Não foi à toa que os anarquistas ficaram impedidos de participar da II Internacional que só aceitava aqueles que reivindicavam a luta parlamentar e que a representação política (Partido) era maior que a social (sindicatos e movimentos de base).

A rejeição às tentativas de formação de um parlamentarismo democrático-burguês e a opção pela insurreição armada, colocava em evidência a via revolucionária para o socialismo em flagrante oposição a via reformista reinante. As orientações características da II Internacional, que tinham levado os socialistas (social-democracia) ter quase que trânsito livre no balcão de negócios da burguesia, parecia ganhar um concorrente ameaçador. Claro que a perspectiva parlamentar dos socialistas alemães não era a única. Não podemos esquecer que no início do século XX, em países da América do Sul como o Brasil e em países como a França e a Itália, existia uma forte movimentação operária, muito impulsionada pelos anarquistas que ficou conhecido como sindicalismo revolucionário e que tinha decidida posição de combate à perspectiva de luta estatista. No entanto, era a social-democracia que influía mais decisivamente na política mundial, tanto que vergonhosamente partidos socialistas votaram pela guerra mundial imperialista, fato que também se voltou na desorganização e forte repressão ao movimento operário anti-estatista nos países beligerantes.

Então, em outubro de 1917, no soar da Revolução Russa que ecoa o mundo dos trabalhadores e os renova em esperança e energia em meio a uma guerra imperialista, a via revolucionária para a construção do socialismo ganhava destaque. Portanto, as duas “vias” eram a oposição entre reforma e revolução, entre o legalismo e as instituições burguesas com a quebra deste legalismo e desta institucionalidade. Mas um preceito permanece e dá a linha histórica de união entre as atividades da social-democracia na I Internacional e na II Internacional, com a bolchevique na construção da Revolução Russa e na futura III Internacional. Trata-se da ideologia estatista e a teoria de revolução por etapas que se entrelaça na dialética entre a economia e o Estado. Elas se fundem e ganham expressão política na operação de construção de um Estado como motor de uma transição revolucionária.

Aqui é interessante entender a própria evolução das idéias sobre uma revolução na Rússia, expressas no Partido Operário Social-Democrático Russo que, também por conta disso, resultará em sua divisão em mencheviques e bolcheviques. Os mencheviques irão sustentar a formação de uma república democrática, uma revolução burguesa mais clássica, como condição para que a Rússia tome um patamar em que fosse permitido almejar o projeto socialista. Sem isso, nada de atividade revolucionária. Do lado dos bolcheviques, o entendimento era de que a burguesia não poderia realizar sua missão histórica de alavancar a conquista de direitos e de construir uma base econômica mais alinhada ao capitalismo ocidental. Em outros termos, caberia ao proletariado assumir o papel de não somente ser a “bucha de canhão”, mas de dirigir a “revolução burguesa”.

Nesse sentido, em razão da localização da Rússia na economia mundial e suas condições objetivas para vingar o socialismo, Lênin defende inicialmente uma “ditadura democrática do proletariado” como meio de resolver a questão agrária. Relatava Trotsky: “Visto que a classe operária russa, em minoria evidente no país, não estaria capacitada para a obtenção do poder com suas próprias forças, Lênin logo considerou inteiramente impossível falar de uma ditadura do proletariado na Rússia antes de vitoriosa, no Ocidente, a classe do operariado.” (TROTSKY, 1980, p. 1013).

Portanto, de 1905 a 1917 os debates giram em torno de se a estratégia seria uma revolução burguesa dirigida pelo proletariado ou se só com a própria ditadura do proletariado que se resolveria a questão agrária, predominando em maior período a primeira proposição. A segunda proposição será defendida por Trotsky que ingressa no Partido Bolchevique no decorrer de 1917, tendo tomado parte anteriormente entre os mencheviques. Afirmava ele que “a evolução histórica não tem um tal caráter planejado e harmônico” e por isso, “é somente a profundidade do problema agrário que abre a perspectiva imediata de uma ditadura do proletariado.” (TROTSKY, 1980, p. 1049). A orientação bolchevique pela ditadura do proletariado – rejeitando a até então seguida “ditadura democrática do proletariado” – se dá somente com as Teses de Abril quando Lênin assume a mesma e polemiza com a direção bolchevique. Até aí os próprios bolcheviques vacilavam frente ao Governo Provisório e faziam coro pela Assembléia Constituinte.

O VI Congresso do Partido Bolchevique (julho de 1917) entendia que a Rússia não favorecia as condições necessárias para o socialismo e que a revolução era internacional, sendo preciso, portanto, derrubar o jugo imperialista no Ocidente (Id., 1980, p. 1019). Nesse contexto, o papel da Revolução Russa seria o de acender a chama, porém, era na Europa onde estava o combustível necessário para dar consistência e tornar a revolução irresistível. A caracterização e constatação da debilidade econômica e política da Rússia exigia apoio técnico e político de potências da economia capitalista, e no decorrer dos eventos as fichas logo serão jogadas na Alemanha. A Revolução no território alemão seria a possibilidade de fazer da obra revolucionária russa uma obra sem fronteiras. Definida a estratégia e suas implicações, caberia colocá-la em prática.

Os bolcheviques mantiveram a inflexibilidade necessária frente a sua estratégia permanente, ou seja: a tomada do Estado e organização da ditadura do proletariado. Como sabiam que isso não seria possível sem que ganhassem confiança frente aos trabalhadores a tática utilizada foi a defesa dos Sovietes (enquanto organização de todos os trabalhadores e dos soldados) e do controle operário via comitês de fábrica, visto que o movimento real se dava nestes espaços.

Em O Estado e a Revolução, de Lênin, escrito às vésperas da Revolução Russa, o autor vai buscar apoio no que escreveu Marx a respeito da Comuna de Paris e caracteriza a ditadura do proletariado, o período de transição revolucionária, como a tomada da “velha máquina” que é substituída por outra, pelo Estado Operário que seria o próprio Estado em “definhamento”.

O proletariado se apodera da força do Estado e começa por transformar os meios de produção em propriedade do Estado. Por esse meio, ele próprio se destrói como proletariado, abole todas as distinções e antagonismos de classes e, simultaneamente, também o Estado, como Estado. [...]
O primeiro ato pelo qual o Estado se manifesta realmente como representante de toda a sociedade – a posse dos meios de produção em nome da sociedade – é, ao mesmo tempo, o último ato próprio do Estado. A intervenção do Estado nas relações sociais se vai tornando supérflua daí por diante e desaparece automaticamente. O governo das pessoas é substituído pela administração das coisas e pela direção do processo de produção. O Estado não é “abolido": morre.
[2]

Ao atingir o objetivo de se apoderar da “velha máquina”, ainda que com pretensões de construir uma “nova” com tarefas circunscritas, os bolcheviques iniciavam sua empreitada de estruturar um chamado Estado operário (ou oportunamente chamado de Soviético), o qual seria o primeiro da história da humanidade. O porto seguro dos trabalhadores do mundo.

Seria papel histórico do dito Estado Operário forjar as melhores condições possíveis no território russo para uma futura construção socialista. Nesse sentido, Trotsky (1980, p. 1054) diz que “o proletariado pode somente empregar o poder de Estado com toda a sua força a fim de promover a evolução econômica em direção do coletivismo, e abreviar seu caminho”.

A tese de “definhamento do Estado” posta por Lênin se esbarrou em uma realidade previsível, pois o Estado não se trata de uma ferramenta manuseável ao bel prazer de “homens honestos” em sua administração. Possui sua dinâmica, certamente condicionada pela estrutura econômica e social da sociedade em questão, mas que também tem em sua dinâmica e fundamento a atuação como elemento conservador e refratário às mudanças por excelência. É onde entra a dialética entre a economia e o Estado. Bakunin tinha claro que o Estado não simplesmente se extinguia com o fim da exploração econômica, mesmo porque, esta própria exploração já se incorporava como também resultante do Estado e sua dinâmica. Portanto, o Estado não morreria de “morte morrida”, sendo preciso ações decisivas nessa direção, pois “para Bakunin o Estado não morre, precisa ser morto” (BAKUNIN, 2002, P. 97). Retrucando Marx, Bakunin dizia que

O Estado político de todo país, diz ele, é sempre o produto e a expressão fiel de sua situação econômica; para mudar o primeiro basta transformar esta última. Todo o segredo das evoluções históricas, segundo o Sr. Marx está aí. Ele não leva em consideração nenhum outro elemento da história, tal como a reação, todavia evidente, das instituições políticas, jurídicas e religiosas sobre a situação econômica. Ele diz: “A miséria produz a escravidão política, o Estado”; mas não permite inverter essa frase e dizer: “A escravidão política, o Estado, por sua vez, reproduz e conserva a miséria, como uma condição de sua existência; assim, para destruir a miséria, é preciso destruir o Estado”. (BAKUNIN, 2001, p. 39-40)

Considerando a situação de uma Rússia que saía da guerra mundial (através de pacto com a Alemanha) fortemente abalada em seus recursos materiais e humanos, e da guerra civil instalada com a contra-revolução branca, temos um panorama que contribui para intensificar a concepção e a estratégia bolchevique de construção do Estado Operário. A época do “comunismo de guerra”, não era simplesmente parte de medidas excepcionais, era, tão somente, um aprofundamento de uma orientação estatista.

A revolução é guerra, o que resulta em destruição dos homens e das coisas, tinha bem claro Bakunin. No entanto, ainda que se compreenda que não existem caminhos puros e opções “a priori”, que trata-se de questões forjadas nas condições de uma luta concreta, as concepções de uma luta revolucionária que toma a classe trabalhadora como o centro de sua transformação, sujeito revolucionário protagonista, faz toda a diferença. Afinal, se a emancipação do proletariado é a emancipação da humanidade, se, como afirmava Bakunin, queremos construir o homem que “pensa e faz” (rompendo com a própria divisão do trabalho que estabelece a dicotomia entre intelectual e manual) é preciso acendê-lo à tomar parte consciente na luta.

A atividade de derrubada da força da burguesia se entrelaça e caminha com o de construção de novas bases na sociedade, determinam-se. Para os bolcheviques era preciso centralizar não só a economia, mas, e aqui reside o problema da questão, as próprias decisões quanto aos rumos da classe trabalhadora que vê a si e as suas instâncias de organização da produção e de consumo serem apropriadas por um “truste universal” [3], como se refere Lênin ao “Estado operário”. Seria a retomada e aprofundamento da ditadura do proletariado esboçada no programa do Manifesto Comunista de Marx e Engels. Diria Bakunin que era “a teoria da emancipação do proletariado e da organização do trabalho pelo Estado”, visto este como agente protagonista das transformações, substituindo a própria ação e protagonismo da classe trabalhadora. Era a expressão aprofundada de uma ideologia estatista. O dilema de identificação entre centralização econômica e centralização política é refutado por Bakunin.

Afirma-se que a centralização econômica só é possível com uma centralização política, que uma implica a outra, e que ambas são necessárias e benéficas na mesma medida. Nada disso, dizemos. A centralização econômica, condição essencial da civilização, cria a liberdade, porém, a centralização política a mata, destrói em benefício do governo e das classes governantes a vida e a ação espontânea do povo. (BAKUNIN, 1990, p. 325)

O processo histórico da Revolução Russa tinha uma marcante característica de protagonismo de classe, no sentido de que, ainda que com equívocos e com toda uma série de dificuldades, trabalhadores da cidade e do campo forjavam seus instrumentos de organização para formulação de sua política e ação. No entanto, a concepção de revolução dos bolcheviques, embutida de uma compreensão quanto à relação entre partido (que como aprofundamento lógico seria único) e movimento (classe), vai na direção de se firmar sob o preceito da política de Estado. E assim, está aberta as portas para a contra-revolução que não precisaria vir do estrangeiro, e sim, nascia no interior da revolução como produto de sua orientação teórica e política.

Bakunin define como moral e razão do Estado preceitos indispensáveis: o primeiro é que, ao se constituir na base da violência, velada ou dissimulada, o Estado deve se expandir e esmagar os demais ou será esmagado. Para ser forte no exterior, é necessário ser poderoso também em seu interior. Sua moral é de que, sendo o Estado o objetivo supremo, aquilo que vai no sentido de seu fortalecimento é bom e correto (BAKUNIN, 2001, p. 102-3). Não é à toa que o Estado soviético (mais correto seria dizer bolchevique), irá reprimir fortemente e sem pudores a rebelião de Kronstadt (março de 1921) [4] e os makhnovistas na Ucrânia que reivindicavam tão somente o poder para os trabalhadores, para os Sovietes. Em seu interior, a Oposição Operária de Alexandra Kollontai no congresso do partido em 1921 é censurada e “difamada” como um “desvio anarquista”. Em contra-partida a administração da economia é invadida por elementos da pequena-burguesia e oficias czaristas são recrutados para a guerra (GUÉRIN, s.d., p. 119). Ou seja, o que fortalece o Estado é bom, o que se mostra contrário deve ser eliminado.

Assim, a contra-revolução pedia passagem. Em 1923 vão-se por terra as esperanças de uma revolução na Alemanha. Com a morte de Lênin e a vitória no interior do Partido Bolchevique de Stálin sobre Trotsky, a revolução na Rússia como prólogo da revolução mundial não tarda a virar uma teoria de “socialismo em um só país”. A verdade é que esta seria uma ideologia das piores produzidas pela esquerda mundial e será a justificativa para que no interior do território russo se plantasse um regime de caserna, coletivizações forçadas sob a tutela de um poderoso Estado que tanto se almejou construir, e no exterior entrasse no ritmo de uma política imperialista, formando PC´s que viram meros satélites de sua política e interesses, praticando acordos com as burguesias nacionais e boicote ou repressão das lutas proletárias que fugissem de seu controle como foi na Espanha em 1936 e Hungria em 1956.

Destacava Bakunin, no século XIX, que “a teoria dos comunistas autoritários e do autoritarismo cientifico, atrai e imobiliza seus partidários, a pretexto de tática, em compromissos incessantes com os governos e os diferentes partidos políticos burgueses, quer dizer, leva-os direto ao campo da reação” (2003, p. 214). O esquema tradicional, de revolução burguesa clássica que precede a revolução socialista, opera no campo marxista a aliança (direta ou indireta) com a burguesia no interesse de avanço das forças produtivas no intento de forjar as condições do socialismo.

Trotsky dizia que “o proletariado crescerá e se fortalecerá juntamente com o crescimento do capitalismo. Neste sentido, o desenvolvimento do capitalismo é o desenvolvimento do proletariado em direção a ditadura” (TROTSKY, 1980, p. 1050). Ainda que não atribua uma dependência automática entre o desenvolvimento das forças produtivas e a ditadura do proletariado (comparando para isso a força política do operário na Rússia com a dos EUA) a fuga de uma concepção mecanicista é sem sucesso.

A revolução a despeito de ser apresentada como permanente, não escapa da perspectiva etnocêntrica (o que remete a etapas e estágios necessários a serem passados) e que faz pouco caso da dinâmica do Estado (central na ditadura do proletariado) como princípio de divisão e fracionismo no seio da classe, ainda que pretenda justamente o contrário. As mediações entre o “cinza da teoria” com o “verde da árvore da vida” para usar expressões de Lênin, são necessárias e jogam na luta concreta, papel decisivo. Por isso, os objetivos subordinam os métodos, que por sua vez, determina os resultados.

Por isso, Bakunin (2000, p. 60) invocava a “revolta da vida contra a ciência” e censurava Marx por se colocar como “um inglês falando só para ingleses” (Id, 2001, p. 26). A teoria ou ciência orientam e fornecem respaldo seguro para separar o concreto do desejo, sendo que “é a bússola da vida, mas não é a vida” (Id., 2000, p. 62). É a vida que cria e são os trabalhadores que se libertam.

A revolução certamente não é um simples ato de vontade, moldada ao sabor dos desejos ou uma explosão espontânea. Também não se trata de uma fatalidade ou um destino histórico traçado de antemão. Requer, imprescindivelmente, de meios materiais para ter êxito, assim como meios concretos de operar uma transformação social (teórico-político, militar). Se um processo revolucionário conserva uma unidade – sendo dever da militância organizada fomentar esta unidade que é concreta e real, resultante de uma luta internacional entre Trabalho e Capital – não a faz sem a participação ativa da classe trabalhadora e suas frações, incorporando suas experiências históricas particulares ou universais.

Os Sovietes eram a própria negação do Estado e instrumento de Poder Popular, o protagonismo (direto) de classe. É o Poder Popular que educa e fomenta na classe suas mais altas aspirações, em seus erros e acertos. Os ideais necessários para construir sua liberdade política na igualdade econômico-social, para identificar no Estado o “cemitério da humanidade” e abraçar a idéia de que a obra de emancipação é da própria classe. A luta contra o Estado não se faz pra depois, se faz de imediato. Isso não quer dizer que a destruição do Estado seja um ato pontual, pois não é, nem mesmo é algo linear. Para Bakunin, tratava-se de uma questão “tão clara quanto a luz do dia”, pois “quando em nome da revolução se quer fazer Estado, ainda que não seja mais que um Estado transitório, se faz reação e se trabalha para o despotismo, não pela liberdade; pela instituição do privilégio contra a igualdade.” (BAKUNIN, 1977; p. 88). A luta contra o Estado é sistemática e contínua, uma luta entre concepções de dois mundos, o do Capital e o do Trabalho. Sendo assim,

A organização política e econômica da vida social deve partir, consequentemente, não mais como atualmente de cima para baixo e do centro para a circunferência, por princípio de unidade e centralização forçadas, mas de baixo para cima e da circunferência para o centro, por princípio de associação e federação livres. (Id., 1983, p. 48)

Dar à revolução social esta orientação, partir destes princípios, não significa dispersão de forças na luta contra a burguesia, seja num terreno político-econômico, seja em termo mais estritamente militar. Pelo contrário, significa desenvolver a unidade da classe trabalhadora a partir da construção de sua política, do seu protagonismo resultante de uma participação na luta que eleva níveis de responsabilidade na medida em que se identifica como sujeito ativo do processo histórico. Bakunin dizia que nacionalistas como o italiano Mazzini ou socialistas como Marx, “confundem sempre a uniformidade com a unidade, a unidade formal dogmática e governamental, com a unidade viva e real”.

A luta pode ser esmagada e derrotada pela reação burguesa internacional, afinal, o socialismo é uma possibilidade, não uma inevitabilidade. Mas, enquanto possibilidade, para que não seja derrubada ainda em gestação, é preciso que tomemos como norte a construção do Poder Popular e que este seja não base de apoio a um Estado que se põe acima das massas como o feito pelos bolcheviques, mas sim a própria negação do estatismo e instrumento de gestão social. Uma organização em que o “poder se funde na coletividade” (Id., 1977, p. 59) e que discute, elabora e constrói, no transcurso da luta, as formas necessárias e adequadas (inclusive de defesa) para almejar a construção de sua emancipação.

 

Notas

[2] LÊNIN, V. I.. O Estado e a Revolução. Disponível em http://www.marxists.org/portugues/lenin/1917/08/estadoerevolucao/index.htm. Visto em outubro de 2007.

[3] Idem

[4] A revolta de Kronstadt, base naval situada perto de Petrogrado, foi propagada como a “Terceira Revolução”, vide a insatisfação presente não só pela situação econômica do país, mas também politicamente visto a já desenvolvida repressão bolchevique e seu monopólio nos destinos da revolução. Por isso, reivindica a volta ao “todo poder aos Sovietes”. Segundo Guérin (s.d., p. 134), “a audácia de Kronstadt irá muito mais além do que podia suportar um Lênin ou um Trotsky. Os chefes bolcheviques haviam definitivamente identificados a Revolução com o Partido Comunista e, a seus olhos, tudo o que contrariava esse mito só podia ser “contra-revolucionário”. A ação foi aprovada pelo Congresso do Partido Bolchevique, acionada por Trotsky e liderada por um antigo oficial czarista. Muitos soldados teriam resistido a participar desta operação. A revolta em Kronstadt é aniquilada em 18 de março de 1921. Quando a 50 anos atrás a Comuna de Paris inaugurava a revolução social e apontava sua direção para o fim do Estado, os bolcheviques, por sua vez, afirmava o poder deste sobre os trabalhadores.

 


On to V. A respeito da makhnovitchina e dos anarquistas na revolução

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Source: Coletivo Anarquista Zumbi dos Palmares

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