Revolução Russa: o Poder dos Sovietes contra o estatismo

 

V. A respeito da makhnovitchina e dos anarquistas na revolução

 

O movimento makhnovista segue sendo tratado com desdém quando se fala da Revolução Russa. Sobra basicamente para os anarquistas fazer o debate, mas ainda assim nem sempre é feito com o maior cuidado na importância que ele vai exercer, não somente para o desenrolar daquele momento histórico (Revolução Russa), mas para momentos posteriores, nos ensinamentos que podemos extrair daquela peculiar experiência.

Ainda que tomasse um caráter mais militar, de luta armada, do que propriamente de organização da vida social (dificuldade posta por questões óbvias de uma carência material para tal e de uma situação de guerra civil e tensionamento com o próprio poder bolchevique constituído) trata-se de um movimento que tinha em si aqueles elementos mais fecundos que a Revolução Russa conheceu e que vai sofrer repressão e aniquilamento por parte do Estado dito “soviético”. Junto com o massacre dos marinheiros de Kronstadt (vanguarda das revoluções de 1905 e 1917), a repressão e aniquilamento ao movimento que levava o nome de sua maior liderança (Nestor Makhno), assumem posição de grande representação para identificarmos o início da contra-revolução estatista.

Se colocamos a derrota dessa experiência histórica como um dos marcos da contra-revolução e degeneração burocrática da Revolução Russa, não o fazemos por superestimar sua capacidade de influência nos acontecimentos do evento tratado. Colocamos nesse marco histórico, pois entendemos que com a repressão ao movimento na Ucrânia (junto a Kronstadt) estava selada a posição de construção de um auto-denominado “Estado operário”. Já dissemos que este se configura em uma ditadura que falava em nome do proletariado, mas que terminava por afogar qualquer manifestação que fugisse do controle bolchevique, mesmo quando tratava-se de expressões legítimas de luta da classe trabalhadora. E era especialmente isso que representava o movimento makhnovista: uma expressão da luta de trabalhadores que buscavam tomar para si os seus destinos, já tão feridos por décadas de opressão e exploração.

De qualquer forma, a região ucraniana, a qual se desencadeou o movimento makhnovista, tinha uma população bastante expressiva (estimada em 30 milhões) e uma posição destacada na economia russa, pois era fonte de matéria-prima como carvão, minérios de ferro e manganês, além de fornecer grande quantidade de cereais [5]. Era uma região bem característica do território russo, incorporando fortemente dois elementos de grande envergadura frente aos dilemas da revolução russa, quais sejam: a marcante predominância camponesa e de operários agrícolas e a opressão “colonial”, compartilhada por vários povos que constituíam o Império Russo.

Dizia Trotsky que a Rússia se constituía como um “Estado de nacionalidades” (TROTSKY, 1980, p. 736). Mais que isso, a nacionalidade representada pela classe dominante era de 43%, enquanto da porcentagem restante, de povos que sofriam com a desigualdade de direitos, os ucranianos representavam a maior parcela. Afirma Trotsky que “o grande número de nações lesadas em seus direitos e a acuidade da situação jurídica dessas nações proporcionavam ao problema nacional da Rússia czarista uma força explosiva enorme” (Id., 1980, p. 737).

No entanto, ainda que conservasse particularidades em termos de costumes e língua, conferindo a região uma identidade própria e certo desejo de independência frente à Rússia, seus setores nacionalistas (oriundos da burguesia) pouco ou nada tinham de penetração junto aos trabalhadores urbanos e rurais e, assim, não conseguia dar coesão e maior força às suas idéias. Isso versa sobre um aspecto importante, pois com a atuação de Makhno e seus camaradas, de uma força política mais orgânica, os camponeses pobres não se deixavam levar facilmente pela política dos nacionalistas burgueses instituídos na Rada Central Ucraniana (formada em março de 1917) como foram em outras regiões do território ucraniano.

A Rada Central atuava como uma espécie de governo autônomo. Em junho de 1917 proclama a República Autônoma Ucraniana, mas sem se separar da Rússia (MAKHNO, 2001, p. 9). A relação com o Governo Provisório é bastante conflituosa, mas isso não significa que eram políticas antagônicas. Faltava, na verdade, maior tato do Governo Provisório para manter-se em relação mais amistosa com um potencial aliado. Da parte dos bolcheviques, SR-esquerda e dos anarquistas, tanto um governo como outro, eram tratados como contra-revolucionários. Quando os bolcheviques ascendem ao poder em Petrogrado, a Rada vai colaborar com a contra-revolução branca e as forças militares estrangeiras.

Como já dito no início do material, com a anistia declarada aos presos políticos no Governo Provisório, Nestor Makhno volta para sua terra natal, mais precisamente para a populosa aldeia de Goulai-Polé (distrito de Alexandrovsk). Makhno relata que a região já tinha uma tradição de atividade revolucionária, realizada ainda no lastro dos eventos de 1905, graças a atuação de um “grupo de camponeses anarquistas-comunistas” (Id., 1988, p. 70). Em 1917, quando o Governo Provisório empurrava a questão agrária para ser resolvida em uma quimera Constituinte, o clima que domina o ambiente é assim relatado: “Nem esse governo e nenhum outro seria tolerado. Cessaríamos de pagar os arrendamentos aos proprietários de terras. Ocuparíamos as terras dos ‘fidalgos’ e das comunidades religiosas assim como as fábricas e usinas.” (Id.,1988, p. 70).

Quando Kornilov prepara sua marcha contra-revolucionária em agosto, urge os primeiros sinais para o que viria a ser o Exército Revolucionário Insurrecional, visto que a conjuntura favorece um avanço nas posições dos trabalhadores tomando os bens que lhe pertencem e desarmando a burguesia. O Comitê Central Executivo dos Sovietes recomendara a organização para a defesa do avanço kornilovista e Makhno toma a frente em sua região do constituído Comitê de Defesa da Revolução o qual assume como missão não somente combater Kornilov, mas o próprio Governo Provisório.

Dada a Revolução de Outubro, os ecos desta só serão sentidos de novembro para dezembro. Isto não significa que a região estivesse alheia ao turbilhão revolucionário que sacudia a Rússia. Afinal, a questão agrária, como a luta contra o arrendamento, era feita de maneira cada vez mais intensiva, o caráter da região e os ânimos que exalava era um fermento a mais. Há de se destacar a existência de toda uma preocupação em estabelecer a solidariedade entre os trabalhadores do campo com os da cidade.

Ainda antes de qualquer decreto do governo bolchevique, em congresso de camponeses em Goulai-Polé já se decidia por enviar delegados às cidades para firmar acordo com os operários e pôr à disposição de todos as terras, fábricas e usinas. Nestor Makhno entendia a importância da aliança com o operariado e bastante se queixava do pouco apoio destes nas lutas dos camponeses: “Vimos nossa aldeia em ação e afirmamos que, nas fileiras dos camponeses, houve, e há, elementos revolucionários” (Id., 1988, p. 105). A queixa ia, em particular, aos seus companheiros de ideologia que “fogem ainda diante do trabalho responsável ou que demanda um esforço elevado” (Id., 1988, p. 106). Retomamos essa discussão ao final deste tópico ao discutir sobre a participação anarquista na revolução com ênfase nas observações de Makhno.

Janeiro de 1918 data o primeiro momento em que se constitui uma luta em conjunto com os bolcheviques (que de maneira geral sempre foram pouco presentes na Ucrânia), tendo como resultado a derrubada da Rada, com os bolcheviques assumindo o controle em Kiev (capital). Ocorre que dado a situação de guerra que o país ainda enfrentava e a própria promessa do Partido Bolchevique de decretar a paz, é firmado o controverso acordo de paz em separado com o Império Austro-Alemão, em março de 1918. Defendido por Lênin, o Tratado de Brest-Litovsk deixava a Ucrânia a mercê das tropas austro-alemães, as quais não perdem tempo e logo tratam de primeiro restituir o poder da Rada para, em seguida, descartá-lo assumindo diretamente o controle da região.

Com as tropas austro-alemãs, Makhno, perseguido, vai para Moscou, mas logo em julho retorna a Goulai-Polé ao receber as notícias da resistência frente à ocupação estrangeira. Assim, inicia atividades como franco-atirador armando emboscada e organizando destacamentos armados que se expandem. Com a formação destes destacamentos, Makhno vira um dos principais articuladores da união destes em um exército insurrecional (Id., 2001, p. 13-4). Em dezembro, os austro-alemães e seu títere Skoropadsky são derrotados sem que os bolcheviques participem efetivamente por conta do tratado firmado. Os nacionalistas também aproveitam para voltar a marcar posição e a Ucrânia fica divida entre estes, chefiados pelo general Petliura, e o exército makhnovista ao sul [6]. Com esta nova situação, os bolcheviques voltam a investir na região e assumem mais uma vez a situação na capital com os nacionalistas do Petliura sendo derrotados, em colaboração com os makhnovistas (Id., 2001, p. 15). Enquanto essa luta ocorria, era o general branco Denikin que se prepara a lançar seu golpe. É nesse tempo que o Exército Revolucionário Insurrecional se incorpora ao Exército Vermelho, mas na condição de manter sua organização interna, nome e simbologia (bandeiras negras).

A relação que o exército liderado por Makhno tomará com os bolcheviques e o Exército Vermelho será marcada por importantes momentos de colaboração em defesa da revolução, intercaladas com sucessivas traições e calúnias por parte dos bolcheviques. A diferença entre os dois exércitos começava pelo caráter de adesão voluntária de um, contra o método de serviço militar obrigatório dos bolcheviques, além da eleição para os comandos. [7]

Esse caráter de adesão voluntária virou um de seus pontos mais fortes, pois lhe garantia uma forte coesão, baseada em uma convicção de luta, permitindo superar suas debilidades numéricas e de armas frente à tropas maiores e mais preparadas militarmente. Isso não significa que o exército não tivesse seu Estado-Maior e atuasse de maneira coordenada e centralizada. Makhno era bastante rígido na cobrança da disciplina e censurava qualquer tipo de excesso ou condutas que fugissem do objetivo das ações. Alertava seus camaradas a agirem com a “honra de revolucionários”, condenando atos vingativos ou atos de pilhagem (MAKHNO, 1988, p. 127-6).

A diferença não estava apenas na organização da luta armada. Nas áreas de influência do movimento makhnovista eram organizados “sovietes livres”. Os bolcheviques já haviam percebido uma oposição frente ao seu projeto de “Estado operário”. Porém, utilizou-se de métodos pouco dignos para minar esta oposição que, evidentemente, se colocava no campo revolucionário. Se concordarmos que na guerra não existem regras, então as medidas usadas encontram sua explicação, mas não aceitamos de maneira alguma elas como expressão legitima de métodos revolucionários. A campanha de calúnia e difamação empreendida pelos bolcheviques, de maneira especial, contra Makhno (acusado de bandido, contra-revolucionário e de praticar massacres de judeus), não converge com uma ética revolucionária que faz seu confronto aberto e sincero.

A batalha contra Denikin, desde o primeiro momento, apontava que: se para os makhnovistas estava em jogo a defesa de uma revolução social, para os bolcheviques, em determinados momentos, o que se fazia central era a administração de seu poder e de sua direção. É somente assim que podemos entender o porquê de atitudes de sabotagem, não fornecendo munições ao exército de Makhno, assim como a retirada de unidades que acabavam por permitir o avanço do general branco. Alexandre Berkman reproduz diálogo que teve com Galina, companheira de Nestor Makhno, comentando o episódio a respeito dessa batalha com Denikin:

Ele compreendeu a sinistra conspiração contra ele, mas se recusou a voltar suas armas contra os bolcheviques. A causa da Revolução lhe era muito cara. Decidiu então deixar seu comando no Exército Vermelho e advertiu Moscou. Lançou um apelo aos insurretos para que continuassem a combater os brancos, e em seguida retirou-se. (MAKHNO, 2001b, p. 69).

A primeira ofensiva de Denikin foi sem sucesso, mas ele não se dava por vencido. Neste meio tempo, abril de 1919, um Congresso Regional de Camponeses e Operários na região makhnovista será convocado com a reprovação do poder bolchevique que, através de Leon Trotsky, envia norma proibitiva e afirma que a realização do mesmo seria considerado um ato contra-revolucionário e seus idealizadores postos “fora da lei” [8]. A ordem não é atendida. A mesma cena se repete no mês seguinte, quando Denikin articula nova investida, sendo este, o momento relatado por Berkman em que Makhno é caçado pelos bolcheviques, tendo que se afastar de sua posição. Porém, tendo em vista a nova investida de Denikin, chegando a Orel, perto de Moscou que já era a capital da Rússia, os bolcheviques se viram ameaçados e batem em retirada. Assim, terminam por ver um Exército Insurrecional, ainda que isolado e com carência de munições e armas, reverter a situação forçando o recuo e a derrota definitiva das tropas de Denikin (MAKHNO, 2001, p. 18). Em razão deste episódio, Alexandre Berkman afirmara que Makhno era “o homem que salvou os bolcheviques” (Id., 2001b, p. 49-80).

Após o confronto com o general Denikin, os makhnovistas “naturalmente” sofreram mais uma onda de difamações, mas desta vez respondem com ações de guerrilha contra o Exército Vermelho. Aliás, Makhno sempre se serviu de táticas inusitadas para derrotar seus opositores. Desde embebedar uma guarnição de mil homens de Denikin com uma festa fajuta em uma vila, ao seqüestro de trem para entrar bruscamente em combate na cidade de Ekaterinoslav quando estava a combater Petliura (Id., 2001b, p. 61-2).

O fim da novela entre os bolcheviques e os makhnovistas ainda teria um último capítulo, mas seguindo o script: colaboração com frente comum de luta, seguido de traição. Desta vez, na primavera de 1920, a contra-revolução branca atendia pelo nome do general Wrangel. Este avançava e os próprios makhnovistas tomam a iniciativa de buscar acordo de combate junto aos bolcheviques que primeiro acusava Makhno de atuar junto com o general branco e, depois, quando a coisa aperta para o seu lado, sendo forçados a abandonar Ekaterinoslav, firmam acordo e desmentem a calúnia feita a Makhno. O acordo militar foi então firmado, mais ou menos nos termos do primeiro e deveria garantir a legitimidade dos Sovietes livres organizados nas áreas do exército insurrecional.

Em novembro de 1920 Wrangel é derrotado. Os jornais bolcheviques se enchem de vivas e elogios a Makhno. Fazia parte da encenação no teatro da guerra. Em um Congresso, convocado juntamente com os próprios bolcheviques, para discutir a organização militar da revolução, os makhnovistas são presos e outros executados pela Cheka que havia preparado a cilada. Após ainda resistir por nove meses, Nestor Makhno, ferido e exausto fisicamente, foge ao final de agosto de 1921, se exilando na Romênia.

Longe de qualquer idealização frente a atuação de Makhno e seus camaradas anarquistas e demais lutadores, não entendemos que o movimento makhnovista seja “modelo” ou isento de falhas. Seu valor histórico transparece não porque tenha sido uma alternativa concreta ao empreendido pelo Partido Bolchevique. Na verdade, muitas vezes teve que manter-se mais na defesa ideológica dos Sovietes livres e pouco tivera condições de se constituir enquanto alternativa concreta, não dispondo de meios para tal. Surgia como um contra-ponto importante, mas débil, seja de um ponto de vista teórico, seja politicamente, para reverter o quadro de uma revolução que trilhava o caminho do Estado. Desde o início, Nestor Makhno se queixava de sua própria insuficiência teórica (1988, p. 68), tal como da dispersão dos anarquistas na Rússia. Mas essas questões não o impediram de praticar, nos marcos de condições materiais e políticas, uma atividade revolucionária organizadora sob a inspiração de uma perspectiva de luta libertária e anti-estatista.

Quando falamos de debilidade política, queremos especialmente nos referir à condição de poder colocar em um patamar satisfatório de disputa um projeto de sociedade que fizesse frente ao estatismo bolchevique. Não seria o longínquo sul da Ucrânia que pudesse, quase que sozinho, fornecer meios políticos e materiais de fazer frente ao projeto bolchevique já bem firmado nas maiores cidades do país. De fato, os anarquistas não tinham esse poder de barganha e Makhno já identificava como fator elementar, a falta de uma organização anarquista “apta a reconduzir ao combate todas as forças anarquistas e de constituir um movimento de conjunto coerente e consciente do alvo a ser alcançado” (Id., 1988, p. 68). Não só identificava nos “anarquistas da cidade” práticas confusas, de latente individualismo liberal abrigadas no “movimento” [9], como discussões pouco fecundas para a revolução.

Ainda que Makhno tenha sido duro nas críticas à participação dos anarquistas nos acontecimentos da revolução, Daniel Guérin discorda que o papel dos anarquistas tenha sido pouco relevante. Cita que o próprio Trotsky via os anarquistas como “ousados” e “ativos” e que os anarquistas levantaram o “todo o poder aos sovietes” antes mesmo dos bolcheviques, assim como “deram impulso ao movimento de socialização espontânea da vivenda, muitas vezes contra a vontade dos bolcheviques” (GUÉRIN, s. d., p. 124). Da mesma forma, muito por iniciativa de anarquistas, os operários tomavam as fábricas antes mesmo de outubro.

Todavia, não é à toa que os anarquistas na Rússia são de difícil classificação. Falar em “anarco-sindicalistas” e “anarco-comunistas”, pensando na CNT espanhola quanto ao primeiro e Kropotkin o segundo, por exemplo, pode nos induzir a cair em equívocos, sendo necessário o alerta [10]. A questão que se coloca é que, na Rússia, assim como ocorreu com o próprio marxismo, o anarquismo se desenvolveu de maneira bastante singular frente às tendências européias. Nisso inclui uma tradição de uso do terror ou ações conspirativas como método destacado de luta. Importante assinalar também que essa tradição pouco ou nada tinha a ver com o propagado por Bakunin que em seu tempo sempre procurou manter contato com revolucionários russos, mas nunca exerceu de fato militância direta em sua terra, tendo radicado sua militância socialista na Europa. O próprio Kropotkin vai ter muito mais influência nos meios anarquistas da Europa do que na Rússia, o que não significa que não tivesse grande respeito. Toda esta equação é fruto das próprias condições da luta de classes no Império russo.

Chegando em 1917, acompanhando o desenvolvimento do movimento operário, os anarquistas russos cerrarão suas fileiras nas áreas industrializadas, como Petrogrado. Diferente do ocorrido em 1905, quando sua presença se dava mais em regiões “periféricas”. Vários grupos anarquistas irão surgir, mas sem a organicidade teórica e política necessárias para apresentar um projeto concreto a ser posto em disputa. Nas cidades, ou nas áreas industrializadas, se destaca a presença dos anarquistas nos Comitês de Fábrica, defendendo-os como mecanismos de organização e controle da produção. Segundo Avrich a Federação Anarquista de Petrogrado será a principal agrupação anarquista em 1917 e, quando Moscou vira a capital da Rússia (1918), será a Federação desta cidade que assume a posição.

Ainda se destacam como intentos de oposição organizada ao regime bolchevique, a Conferência Pan-Russa Anarco-sindicalista e Confederação de Organizações Anarquistas (Nabat), esta no norte da Ucrânia com presença em Jarkov, além de Kiev, Odessa e Ekaterinoslav (AVRICH, 1974, p. 209). Ambas se reúnem em 1918. Da parte da Nabat, que irá tomar contato e colaboração com os makhnovistas, Volin foi um de seus impulsionadores e será convocada na base daquilo que será conhecido como sintetismo. Ou seja, uma organização que pudesse abrigar variadas tendências do anarquismo. Entre os denominados, por Avrich, anarco-sindicalistas (ver nota 10), Maksimov foi um de seus principais nomes. Piotr Kropotkin que era o principal nome do anarquismo na época estará já no fim da sua vida, mas no que atua a respeito da Revolução Russa será apenas o fechamento de um ciclo militante consagrado pelo positivismo evolucionista em teoria e o idealismo em matéria de ação política. Convidado à Conferência Democrática (setembro de 1917) por Kerensky, o “príncipe anarquista” comparece para fazer seu pronunciamento a favor da Tríplice Entente e na “defesa da Rússia” contra a Alemanha na Guerra Mundial (Id., 1974, p. 140-1). Nestor Makhno, em suas memórias, não esconde sua decepção e deixa a entender que ali se firmava uma cisão já que “a Revolução o chamava para outro lado” (MAKHNO, 1988, p. 160).

Na medida em que a ditadura bolchevique vai se consolidando, a repressão abate todas as movimentações anarquistas. A repressão da Cheka alcança a Federação Anarquista de Moscou em abril de 1918 e aos destacamentos de Guardas Negras que eram formados e não eram tolerados. A partir de 1919 atinge a Nabat e vai se estendendo aos demais anarquistas, inclusive aqueles mais inclinados a uma colaboração com o regime bolchevique (não no sentido de combate aos “brancos” que era consenso, mas em relação à própria linha política traçada desde o início da revolução de outubro). (AVRICH, 1974, p. 226)

No entanto, aqueles que procedem de modo a posicionar o anarquismo como uma vítima pura e indefesa frente a carrascos inveterados caem em idealismo e de maneira indireta em dogmatismo. Idealismo porque qualquer ação política revolucionária deve pressupor a ação de forças antagônicas e adversárias sobre a sua ação. Ninguém esboça uma estratégia política sem que não discuta o acionar político e militar de outros pontos (seja da reação, seja do campo revolucionário). Seja qual for o método e os meios usados por tais forças, elas existem e devem ser levadas em consideração. Dogmatismo também porque, especialmente no caso tratado, quando se procede desta maneira, termina-se por objetivamente ocultar suas próprias fragilidades e limitações. Na Revolução Russa, a repressão aos anarquistas de maneira geral é certamente um ato em que decide a sorte destes, porém não é, nem pode ser, visto como o mais relevante a ser discutido.

Vejamos o que diz P. Archinov

Adquirimos o hábito de atribuir a derrota do movimento anarquista na Rússia entre 1917-19 à repressão estatal do Partido Bolchevique, o que é um grande engano. A repressão bolchevique impediu que o movimento anarquista se expandisse durante a revolução, porém ela não foi o único obstáculo. A impotência interna do movimento em si foi uma das principais causas dessa derrota, uma impotência procedente da vagarosidade e da indecisão que caracterizam diferentes afirmações políticas relacionadas a organização e táticas. (MAKHNO, 2001, p. 83-84)

Foi com base nesse entendimento que Makhno, assim como o próprio Archinov, levaram à frente a idéia de que ou os anarquistas assumem um papel de “guia teórico e tático” ou estarão sempre a reboque dos acontecimentos. Assim, já no exílio, formam o grupo editorial Dielo Trouda, que lança a Plataforma Organizacional em 1926. Era o esboço de um projeto com diretrizes para a construção da Organização anarquista: unidade teórica, unidade tática (ou método coletivo de ação), federalismo e responsabilidade coletiva (a Organização é responsável pela atividade de seus militantes e os militantes pela Organização). Era uma retomada da concepção de Partido Anarquista já defendido por Bakunin.

 

Notas

[5] VOLIN. La Revolucion Desconecida (Ucrania). Disponível em . Visto em outubro de 2007.

[6] Idem

[7] Idem

[8] Idem

[9] A Plataforma diz que “os amantes da asserção ‘eu’, com o interesse voltado unicamente para o prazer particular, agarram-se obstinadamente ao estado caótico do movimento anarquista” (MAKHNO, 2001, p. 35), se referindo certamente a atividades de “expropriações” realizadas por grupos anarquistas sem conseqüência com a luta dos trabalhadores. Para Piotr Archinov era “a expressão das inclinações fortuitas de pessoas que se encontravam nas fileiras anarquistas apenas por acaso e que tais programas não podiam ter aparecido e ser apresentados nos meios libertários senão em virtude do fraco desenvolvimento da responsabilidade para com o povo e sua Revolução” (Id., 2001, p. 26).

[10] A fonte que utilizamos de Paul Avrich (Los Anarquistas Rusos), costuma se referir a anarco-sindicalistas, anarco-comunistas e individualistas (terroristas e anti-intelectuais). Estas classificações em determinados momentos aparecem confusas e contraditórias. O próprio termo anarco-sindicalismo pode ser impreciso, visto que o sindicalismo revolucionário francês que animava os anarquistas no movimento operário no início do século XX é conceitualmente distinto. O primeiro implica em formação de sindicatos que assumem o anarquismo como programa, enquanto o segundo não compartilha da filiação do sindicato a uma ideologia restrita (anarquista ou marxista, por exemplo).

 


On to VI. Considerações sobre Partido Revolucionário na luta dos trabalhadores

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Source: Coletivo Anarquista Zumbi dos Palmares

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