Revolução Russa: o Poder dos Sovietes contra o estatismo

 

II. Do Domingo Sangrento ao poder dos Sovietes

 

Em janeiro de 1905 teremos exposta uma crise política do regime czarista, fruto das mobilizações que antecedem o chamado Domingo Sangrento e as conseqüências desta data. Nesse período, além da presença mais marcante de uma classe operária, teremos também uma movimentação mais presente e organizada de bolcheviques, socialistas-revolucionários e também de uma militância anarquista que dispunha de um movimento pouco articulado. Sendo que de maneira geral a participação de todas essas agrupações e correntes políticas nos eventos do Domingo Sangrento teria sido mínima, exercendo mais uma influência externa para que o movimento fosse mais a esquerda, do que propriamente estar à frente das mobilizações. (VOLIN, 1980, p. 69)

Uma questão de suma importância histórica é que o Domingo Sangrento vai romper, até certa medida, com o misticismo em torno do Czar e balançar seu regime de maneira que dali em diante seu fim virou quase que uma questão de tempo. Uma longa tradição de ações conspiratórias contra os altos escalões do regime e os próprios Czares, não foram suficientes para despertar as massas trabalhadoras contra o mesmo, este determinado rompimento com o misticismo em torno de sua imagem histórica, parece só ser abalado quando o Czar reprime fortemente a massa que se dirigia ao Palácio de Inverno. Esta reivindicava medidas para seus problemas mais urgentes de trabalho e terra, mas que continham também uma conotação política expressa em reivindicações por liberdade de organização e imprensa.

A ironia da história é que toda essa movimentação que resulta na marcha reprimida, conhecida como Domingo Sangrento, teve como principal articulador o padre Gapone. No dia da marcha este levava imagens do Czar, assim como muitos trabalhadores. Mas isso ainda não é o mais irônico. Gapone teria sido designado pelo próprio regime para se fazer presente nas movimentações dos trabalhadores – que vinham em constantes articulações grevistas – como parte de uma estratégia de podar seus impulsos revolucionários. Manter o movimento sobre o controle e fiscalização do Estado czarista, eis sua missão. Ocorre que a atmosfera de trabalhadores e camponeses estava tão marcada por anseios de mudanças e transformações que, segundo nos relata Volin, até o próprio Gapone terminou, em parte ou em determinadas ocasiões, contagiando-se por ela naquele momento (Id., 1980, p. 70).

Desta data em diante o que se vê é um acirramento pela derrubada do regime, tendo como resposta do mesmo a utilização de seus tradicionais métodos de força e perseguição política. Todo o ano de 1905 é especialmente marcado por agitações, de greves à insurreição armada, como foi a dos operários de Moscou no final de 1905. É justamente nesse período de ascenso das lutas que se localiza o aparecimento de um instrumento de organização forjado pela classe trabalhadora russa, a herança para os trabalhadores de todo o mundo deixado pela Revolução Russa: o Soviete ou Conselho, órgão de organização e coordenação das ações e pautas dos trabalhadores.

Em outubro daquele ano, quando uma greve tomava proporções de uma greve geral nacional, o governo czarista lança o Manifesto do 17 de Outubro se comprometendo a convocar uma espécie de Assembléia Nacional, chamada de Duma dos Estados ou simplesmente Duma. Sua função, pretendida pelo czarismo, era a de assessorar, auxiliar o governo. Mas com a derrota das agitações e mobilizações dos trabalhadores aliada à ajuda financeira da burguesia francesa, o regime czarista respira um pouco em 1906, perdurando a relativa estabilidade até a eclosão da I Guerra Mundial em 1914.

Dos eventos de 1905 para o que ocorre em 1917 parecia que o caminho já era previsível. Se durante os anos que separam essas duas datas as lutas não se dão na mesma intensidade, elas tão pouco deixariam de existir. Ainda que os tensionamentos internos deixassem em aberto um cenário político, ficava cada vez mais fechado para permanência do regime czarista. Com a Guerra Mundial de 1914 e a participação da Rússia nela, geram-se conseqüências determinantes para a conformação de uma situação revolucionária. A crise econômica e as derrotas humilhantes sofridas no curso da guerra torna a sustentação do regime inviável. A pressão política sofrida para a convocação da Duma ganha mais força e esta é convocada, mas com o regime atento para mantê-la sob suas rédias.

Na Duma tomará parte a social democracia (bolcheviques e mencheviques), assim como os socialistas-revolucionários, mas sendo um espaço dominado pelo Cadete (Partido Constitucional-Democrático, partido da burguesia liberal). Quando em 1917 o czarismo decide por dissolver a Duma, encontra nesta, a resistência às suas ordens. Temos, portanto, uma cisão e oposição mais forte entre as classes mais favorecidas que se dividem em projetos distintos. Os que sustentavam o regime czarista visualizavam, como última saída, buscar a conformação de um regime monárquico-constitucional, a troca de que os cadetes defendiam, ao menos retoricamente, por um regime republicano-democrático mais ou menos nos moldes dos países europeus.

Com os trabalhadores russos, do campo e da cidade, saindo às ruas clamando por paz e pão, com edifícios governamentais sendo incendiados e as tropas de repressão aderindo à causa, o cheque-mate estava dado para o czarismo. Em 2 de março de 1917 (fevereiro no então calendário russo) Nicolau II abdica a si e a seu filho do trono. A Rússia passava agora a ser governada por um Governo Provisório formado por membros da Duma e aclamado pelo povo russo com o objetivo central de convocar uma Assembléia Constituinte.

 


On to III. Da expropriação dos expropriadores à revolução expropriada

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Source: Coletivo Anarquista Zumbi dos Palmares

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